No mês em que se faz referência ao dia dos povos indígenas no Brasil, é preciso lembrar, refletir e construir aproximações teórico-práticas entre a profissão de Serviço Social e o tema da questão indígena. Os dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023) apontam que a população indígena corresponde a 1.693.535 pessoas, o que representa 0,83% da população total do país, distribuída entre 305 povos diferentes. A maior parte dos indígenas, isto é, 51,25% (ou 867,9 mil) vivem na Amazônia Brasileira. De todos os estados do país, o Amazonas é o que possui o maior número de pessoas indígenas, equivalente a 28,98% (ou 490,9 mil), distribuídas pelos meios rural e urbano.
Historicamente esses povos têm resistido às investidas neocoloniais e capitalistas, considerando suas pautas em defesa da terra, das florestas e do território como uma questão ancestral/originária. São povos que mantém uma relação direta com a natureza, pois para estes ela é sagrada e essencial para a vida. Lutam cotidianamente pela preservação dos biomas e dos saberes ancestrais, contrariando o pensamento burguês/ conservador/capitalista que a todo o momento busca aniqualar a cultura, os modos de vida, os valores e o princípio da diferença. As pesquisas científicas tem revelado que os territórios indígenas, sobretudo em áreas rurais, preservam 80% da biodiversidade do planeta. Isso significa que, sem o cuidado com o ambiente, certamente a crise climática/ambiental estaria em piores condições.
O etnocídio e o genocídio indígena lembrado todos os dias pelas mídias, chamam a atenção do Brasil e do mundo. O caso emblemático dos Yanomamis é um exemplo que reitera a conjuntura pela qual passam os povos indígenas. Pelo menos nos últimos três anos, as imagens que circularam/circulam em sites, redes sociais e em outros canais de comunicação, foram/são estarrecedoras. Elas revelam a condição desumana do povo Yanomami no estado de Roraima, no extremo Norte do país.
Os dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI, 2022) registram que os números de assassinatos aumentaram drasticamente entre 2018 e 2021, isto é, 48%, saltando de 121 casos de assassinatos em 2018, para 180 no ano de 2021. O maior número diz respeito ao estado do Amazonas (38 mortes). Nesse mesmo intervalo de tempo, as expressões de violência também cresceram substantivamente, incluindo abuso de poder, ameaça de morte, racismo, violência sexual, entre outras.
É bom lembrar que o ataque às terras indígenas na Amazônia é histórico e culmina com a apropriação ilegal dos territórios por grandes proprietários e pelo capital, em busca de riqueza e poder, principalmente no que diz respeito à extração de minérios, madeiras e outras riquezas naturais. Essa realidade impactou, e continua a impactar, o modo de vida, as relações de trabalho e com a natureza, e mais precisamente a saúde dos povos.
Esses dados, a meu ver, implicam necessariamente em uma reflexão a partir do olhar do Serviço Social, afinal, se a maioria dos povos indígenas está concentrada nas “Amazônias” seguramente que são, também, usuárias/os das políticas sociais, portanto, atendidas/os por Assistentes Sociais nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais. Expressamos as “Amazônias” (no plural), por entendê-la como um território diverso, ou seja, não homogêneo no que tange à sua formação socioeconômica e aos processos socioculturais que balizam a vida. Portanto, é um todo extremamente complexo e diverso em culturas, etnias, línguas, modos de vida, biodiversidade, riqueza, pobreza, contradições, etc.
Por isso, referenciando-se no dia 19 de abril, o Serviço Social amazônida deve ter como compromisso a ratificação das lutas históricas e dos processos de resistências que os povos originários, no contexto brasileiro e amazônico, têm travado para consolidar seus direitos ancestrais, étnicos, territoriais e jurídicos. Não há mais como pensar uma formação profissional em Serviço Social nos territórios amazônicos, sem que se leve em consideração a questão indígena como componente hercúleo da questão étnico-racial nos currículos.
Assim, o Serviço Social nas Amazônias precisa cada vez mais, neste limiar da terceira década do século XXI, trazer à baila uma formação profissional que construa um posicionamento ético-político no sentido de ser aliado das lutas dos povos originários em sua diversidade étnica, mas, sobretudo, que forme em nível de graduação e pós-graduação Assistentes Sociais indígenas, tendo em vista tratar-se de um compromisso ético-político e estratégico, visando a ampliação e reafirmação dessa profissão no marco da sociabilidade capitalista.
Conforme a literatura crítica, aprendemos que o Serviço Social é uma profissão essencialmente necessária no âmbito da relação capital/trabalho. Possui como objeto de intervenção e de pesquisa a questão social em suas diversas expressões. Além disso, dispõe de relativa autonomia profissional e está inserida na divisão social e técnica do trabalho. Registramos ainda que, tanto na Lei de Regulamentação da Profissão (nº 8.662/93) quanto no Código de Ética (1993), fica notório que a/o Assistente Social deve atuar em defesa dos direitos da coletividade, da diversidade, da ampliação da democracia e dos direitos de cidadania. Ademais, é uma profissão que ao se inspirar na teoria marxiana e se reconhecer como classe trabalhadora, defende um projeto societário contrário ao sistema vigente, pondo em relevo a questão étnica e racial como basilar da vida humana.
Nesse sentido, vislumbra-se um Serviço Social nos territórios amazônicos compromissado com os povos indígenas. Daí a importância de pensar em currículos que possam abarcar as complexidades da questão étnico-racial, trazendo para as disciplinas de sala de aula; para os projetos de pesquisa e extensão, bem como para os espaços sócio-ocupacionais, a questão indígena como central no âmbito da formação e do trabalho. Entendemos que ao se munir das pesquisas teóricas e empíricas a partir do diálogo com as etnias indígenas, os/as Assistentes Sociais devem dar um retorno à diversidade de povos, seja pela via da produção do conhecimento seja integrando-se aos movimentos sociais como forma de ratificar a questão ética e política que fundamenta a profissão.
Destarte, nossa conclusão é de que, se a profissão de Serviço Social aparece e se desenvolve na relação com os movimentos sociais, certamente tem (e deve) contribuir com as lutas dos povos originários em prol de direitos ancestrais, étnicos, territoriais e jurídicos. Que possamos ampliar as discussões nos cursos de Serviço Social amazônidas, e, mais ainda, formar Assistentes Sociais indígenas (“nada sobre nós sem nós!”). Da mesma maneira, é importante a integração aos movimentos dos povos indígenas enquanto projeto de luta coletiva e como forma de enfrentamento às opressões neocoloniais e capitalistas que permeiam a vida dos povos nas Amazônias.
Patrício Azevedo Ribeiro. Um Assistente Social Amazônida. Professor do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), no Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia (ICSEZ), Campus Parintins. Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia pela UFAM.
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