Alfabetização e os rumos da Educação no Brasil – Entrevista com Ilona Becskeházy, ex-secretária de Educação Básica do MEC

Educadora concedeu entrevista exclusiva ao Jornalismo Parintins

17/02/2023 às 11h31 Atualizada em 02/09/2023 às 07h00
Por: Redação
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Ex-secretária Ilona Becskehazy - Imagem: Divulgação/ Instituto Alfa e Beto
Ex-secretária Ilona Becskehazy - Imagem: Divulgação/ Instituto Alfa e Beto

Ilona Becskeházy é Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Educação Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - RIO). Estuda e atua profissionalmente com desenho e implementação de políticas educacionais comparadas, em particular, nos aspectos curriculares e de gestão. Coordenou a elaboração da versão final do currículo de LP e Mat para o Município de Sobral, Ceará, desde a educação infantil até o final do ensino fundamental, anos finais. Foi diretora da Fundação Lemann durante 15 anos. Dezesseis anos de experiência na direção de entidades sem fins lucrativos com projetos no setor de educação para diferentes públicos-alvo. Foi Comentarista do Boletim semanal Missão Aluno da Rádio CBN sobre políticas educacionais entre 2012 e 2019. Atualmente é membra do Conselho Nacional de Educação (CNE) - órgão ligado ao MEC que tem o papel de auxiliar na formulação de políticas públicas e tem poder para emitir pareceres, estudos e pesquisas.

Ilona atuou por 4 meses como secretária de Educação Básica no segundo semestre de 2020, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Durante a saída do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, a professora chegou a ser cotada para liderar a pasta, mas o nome escolhido foi o de Milton Ribeiro.

Em entrevista exclusiva por e-mail ao JORNALISMO PARINTINS, Ilona Becskeházy respondeu algumas perguntas relacionadas a sua breve passagem pelo MEC, a qualidade e métodos de educação vigentes no País, e sobre o que ela pensa do atual governo na área educacional.

Confira a entrevista:                     

Jornalismo Parintins - Professora, quando você assumiu a pasta da Educação Básica no MEC, notícias da época dizem que seus colegas professores receberam com surpresa a notícia de que você havia aceitado a proposta para ocupar o cargo no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a que você relaciona essa reação?          

Ilona Becskeházy - Eu nem sabia disso e não tenho ideia de porque alguém deveria ficar surpreso que alguém que estudou política educacional, como eu, vá trabalhar no governo. Para alguém como o Lula é que eu jamais trabalharia.

Jornalismo Parintins - Qual a sua proposta para a Educação Básica? Você conseguiu implementá-la no MEC?

Ilona Becskeházy - Currículo ambicioso, parecido com os currículos dos países desenvolvidos; livros didáticos de alta qualidade para implementar esse currículo estabelecido; avaliações permanentes com base nesse currículo (que obviamente não tem nada a ver com a Base Nacional Comum Curricular -BNCC) e formação docente para ensinar esse mesmo currículo.

Ou seja, a base de TUDO é sempre o currículo. Como podemos ter um sistema educacional fundamentado na BNCC é um retrato da armadilha pavorosa em que nos metemos. Agora não vamos sair nunca mais, pois a mentalidade paulofreirista é a que vai continuar a prevalecer. O que eu, ajudando a SEALF (Secretaria de Alfabetização), liderada pelo Secretário Carlos Nadalim, foi fazer editais novos para o PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) nas etapas de pré-escola e fundamental 1,deixar no CNE uma resolução de formação docente continuada e poucas outras ações pontuais. 111 dias de cadeira na SEB (Secretaria de Educação Básica) não são grande coisa!

Jornalismo Parintins - Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, no início da sua gestão, você disse que estaria disposta a permanecer até ao final do governo Bolsonaro, porém, a senhora ficou pouco tempo na pasta. O que houve para você sair antes do tempo previsto?

Ilona Becskeházy - Fui sumariamente demitida pelo Twitter pelo então ministro Milton Ribeiro. Não tenho a menor ideia de porquê.

Jornalismo Parintins - Em sua pesquisa de doutorado, a senhora estudou o caso de sucesso de alfabetização do município de Sobral, no Ceará, apesar do contexto de pobreza da região. O que explica o sucesso da Alfabetização no município?

Ilona Becskeházy - O "segredo" de Sobral foram as metas claras de alfabetização, monitoradas com medidas de fluência e respeito às etapas do processo, que incluem, mas não se limitam ao conhecimento do alfabeto, grafemas e sua correspondência com fonemas e treinamento fônico.

Jornalismo Parintins - Para melhorar a qualidade do ensino básico no país, a senhora defende que são quatro os pilares para isso acontecer, como no caso de Sobral. Pode nos explicar cada um?

Ilona Becskeházy - Foi o que disse acima: 1) currículo, 2) livros didáticos, 3) avaliação e 4) formação docente. Tudo depende do currículo, que é uma clara, objetiva, hierarquizada e claramente progressiva de objetivos de aprendizagem. Não é o que temos na BNCC. Os objetivos de aprendizagem não são nem claros, nem ambiciosos (quando se entende o que querem dizer), nem hierarquizadas. A BNCC foi escrita para não funcionar. Assim, quem vende livros, formação e serviços de péssima qualidade nas escolas não tem o que temer.

Jornalismo Parintins - Ao seu ver, hoje, a Alfabetização no Brasil é baseada em métodos políticos-ideológicos e não em métodos comprovados cientificamente?

Ilona Becskeházy - Basicamente a alfabetização é baseada em "romantismos pedagógicos" fundamentados em bobagens ideológicas e supostamente revolucionárias referenciadas em Paulo Freire. A verdadeira revolução no país seria hoje alfabetizar e enviar aritmética elementar para alunos até os 6 anos, para depois continuar com um ritmo aceitável de aprendizagem. Não vamos chegar lá nunca, a não ser pela exceção, como Sobral e alguns poucos municípios ou escolas.

Jornalismo Parintins - Em entrevistas, a senhora afirma que as forças da não-educação impedem que o Brasil adote métodos educacionais que funcionam, quem são essas forças?

Ilona Becskeházy - Sindicalistas, fornecedores e políticos sem vergonha na cara. Verdadeiros predadores das futuras (e passadas) gerações.

Jornalismo Parintins - Você também tem tecido elogios ao Plano Nacional de Alfabetização, desenvolvido pelo professor Carlos Nadalim, titular a época da pasta da Secretaria de Alfabetização (SEALF). O que a deixou com perspectivas positivas em relação ao plano?

Ilona Becskeházy - Primeiro o desenho apresentado no decreto que criou a Política Nacional de Alfabetização. Depois a qualidade técnica e científica de cada produto que a Secretaria apresentou. Se ninguém socorrer e mantiver os produtos publicados na Internet, vai tudo para o lixo.

Jornalismo Parintins - *Qualidade versus acesso à educação. A senhora também dá bastante ênfase na diferenciação desses conceitos. Quais dos dois prevalece no Brasil? 

Ilona Becskeházy - Não é possível qualidade sem acesso. Como o aluno vai aprender, se não frequentar a escola?

Jornalismo Parintins – Você também afirma em entrevistas que o problema educacional brasileiro engloba a rede privada de ensino e as diferentes classes sociais. A senhora pode nos explicar o motivo do por quê que isso acontece?

Ilona Becskeházy - Porque quando um sistema inteiro é de baixa qualidade, nem o topo se salva. Em comparação com iguais em países desenvolvidos, perdemos sempre. Aliás, até em comparação com os pobres de alguns países asiáticos, nossa elite perde! Esses dados aparecem claramente no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).

Jornalismo Parintins - Como você avalia esse cenário de cidadãos mal alfabetizados chegando na universidade e por conseguinte, ocupando cargos importantes do desenvolvimento da sociedade, como professor da Educação Básica, por exemplo? 

Ilona Becskeházy - Uma tragédia. Não vamos sair dessa armadilha nunca. O pior é a sensação de morrer na praia. Na hora em que o Bolsonaro acertou com o Ministro da Educação (Victor Godoy) teve que dar a cadeira para alguém que não tem o menor compromisso com o futuro do país.

Jornalismo Parintins - O novo ministro da Educação do governo Lula, o engenheiro agrônomo Camilo Santana, extinguiu a Secretaria de Alfabetização do MEC, porém, afirmou que a Alfabetização é prioridade da pasta. O que a senhora tem a dizer sobre e isso e quais as suas perspectivas em relação às políticas educacionais do novo governo?

Ilona Becskeházy - Duvido. Minha expectativa em relação à gestão dele é que aumente gastos e o assembleísmo sindicalista na educação e ponha mais uma pá de cal no setor. 

Jornalismo Parintins - O Brasil figura nos últimos lugares nos testes internacionais que medem a qualidade da Educação no país. Quais os motivos que nos deixam nessa situação?
 

Ilona Becskeházy - Não temos currículo. Nossos livros didáticos são péssimos e medíocres. Nossas avaliações são de qualidade técnica sofrível e de ambição acadêmica quase nenhuma. Nossos professores não têm a menor ideia sobre como ensinar.

Jornalismo Parintins - Em resumo, o que o Brasil precisa para melhorar a sua educação básica? 

Ilona Becskeházy - Bolsonaro de novo e Ministro Godoy com os plenos poderes institucionais de que dispunha. A curva de aprendizagem dele foi inacreditável. Um enorme desperdício. Espero que volte à pasta um dia, se a democracia permitir.

 

Por: Vinícius Bellchior Bruce e Ana Cristina Ferreira Machado – ambos graduados em Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade Federal do Amazonas – Campus Parintins.

Vinícius Bellchior - Equipe Jornalismo Parintins

Ana Cristina Machado - Equipe Jornalismo Parintins

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