O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. (Fernando Sabino)
Sonho alcançar nem que seja um tiquinho da sensibilidade literária de Fernando Sabino... Aquela sutileza estética nutrida de cor, de sabor de vida e humanidade; aquele jeito de acasalar palavra e realidade testemunhando o poder do “verbo” na reinvenção da vida. Enquanto não chego lá (talvez nem chegue!) teimosio em “mostrar conchinhas” sob as pegadas de Rubem Alves.
Por essa trilha, fecho 2023 caçando “conchinhas” nas isoladas e solitárias praias de minha realidade, na tentativa de aquarelar minha existencialidade com matizes libertadores. Nessa busca, encontrei uma preciosidade que trazia como título - “Boas Festas”.
Confesso que não sou afeita a celebrações sob perspectivas mercadológicas, as ditas festas natalinas. Encaro-as como rituais mecânicos, convencionalistas em total oposição aos legítimos e originais festejos, como o mito da “Roda do Ano” realizado nas antigas sociedades. No entanto, contradições são estratégias problematizadoras: despertam percepções cuja potencialidade podem intervir e permitir diferentes olhares. São as “conchinhas” anunciadas por Rubem Alves forjando visibilidade, apontando novos rumos.
Por esse olhar, fui surpreendida por um garoto que me trouxera um pequeno pacote embrulhado com singularidade.
- Foi a tia Chica que lhe mandou. É presente de ano novo. Ela que fez...
Meio confusa, forcei a memória... Afinal, conheço uma infinidade de Chicas...
- Sim!... Lembrei!... É a Chica da Comunidade São José do Laguinho, na Gleba Vila Amazônia?
O garoto confirmou com um sorriso. Agradeci meio sem jeito e o entregador se mandou antes que eu abrisse o pacotinho. Sobre o presente um singelo cartão de “boas festas”: “de chica pra fátima. te desejo felicidade”.
Tratava-se de uma pequena peça artesanal de conteúdo criativo e sensível: sobre uma pequena base de madeira, uma casinha; ao lado, um casal de tucanos apoiados num galho seco como se protegessem aquele ambiente.
As “Boas Festas” de Chica são assim: “conchinhas” solitárias que se perdem nas densas areias do mercado embrutecedor. Quem as encontra já não pode escondê-las: são gotículas de esperançamentos, cultivos de partilha, de solidariedade... Resíduos de sabedorias, acalantos para buscadores de originalidades ancestrais.
Aquele presente me fez lembrar de uma certa viúva, citada pelo Evangelista Lucas (21, 1-4). Para cumprir os rituais de seu tempo, ofertara tudo o que possuía: sensibilidade, amor, carinho, respeito, criatividade... Assim como a viúva, neste final de ano, a companheira Chica torna-se referência para repensar presentes natalinos.
Por: Fátima Guedes
* Maria de Fátima Guedes Araújo. Caboca das terras baixas da Amazônia. Educadora Popular, pesquisadora de saberes popular/tradicionais da Amazônia com Especialização em Estudos Latinoamericanos pela Escola Nacional Florestan Fernandes/UFJF. Fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde (ANEPS). Autora das obras “Ensaio de Rebeldia”, “Algemas Silenciadas”, “Vestígios de Curandage” e Organizadora do Dicionário – “Falares Cabocos”.
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