Quando humanos permitem, gero alimentos saudáveis, águas e ar puros; propicio estações equilibradas, relações equitativas entre todos os seres e condições necessárias para uma saúde global solidária. Em conflito com tantos agravos, concluo que a espécie humana mais atrapalha que contribui solidariamente. Se vocês alcançarem a essência de minha mensagem, entender-me-ão. Meus elementos básicos - o ar, o solo, a água e o céu, vivem muito bem sem vocês. Lembrem: vocês são meus hóspedes, não meus donos.
(Momento de escuta à Mãe Terra)
Iniquidades praticadas à Mãe Terra avançam impiedosamente. As bases de sustentabilidade a uma vida saudável são massacradas, invisibilizadas e ignoradas sob artimanhas midiáticas de entretenimentos fúteis, vazios de autênticos sentidos artístico libertários.
A ausência de leitura problematizadora sobre o real-concreto socioambiental faz muita falta: povo virou massa de manobra, objeto de troca eleitoreira; perdeu a capacidade de se pronunciar com autonomia, com liberdade para interferir contra injustiças generalizadas produzidas por sabotagens administrativas. Predomina o sonambulismo social - um estado de dormência cultural com reflexos destrutivos sobre quaisquer perspectivas a um pleno e sadio desenvolvimento.
Conforme a linguística caboca, é “discunforme grande” a carência de sopros contagiantes - a palavra bem dita! Esse poderoso antídoto, instrumento incontestável de sensibilização, de despertar e cura de consciências intoxicadas, tem feito muita falta no sentido de um agir interventivo e transformador da realidade. A partir de persuasões midiáticas embriagantes, caridosistas (cestas básicas) a serviço da politicagem viciada, as ações criminosas de destruição da vida da/na Amazônia são massificadas como “um processo natural da região”, cuja tática ganha dimensão sobre o analfabetismo estrutural.
Esperançar, porém, é verbo em movimento; é desafio transgressor a transgressões escravagistas, dominantes, criminosas. Esperançar também é estabelecer sintonia com anúncios e profecias místicas, na perspectiva de respostas provocadoras, recheadas de sentido transformador. É utopia ativa...
- O quê?!... Uma Abelha?!... Justo, quando a impotência parece aniquilar possibilidades, retrair ideias interventivas e sensibilizantes, uma Abelhinha Jupará (o escrito em maiúsculo é intencional) arrastada pelo vento enfumaçado, cai sobre a tela do computador em estado agonizante.
Seria o anúncio/denúncia provocadores?! Seria a bendita inspiração para polinizar estes rascunhos em defesa da vida?
Só sei que a impactante surpresa quebra paradigmas e inculcações discriminatórias... Recheia a autoconfiança com sopros divinizantes do Poeta Manoel de Barros sobre o valor das “insignificâncias”: “Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Pra mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas)”.
Amplas reflexões trouxeram aquele “insignificante” Ser!... Pedido de socorro?! Instigação?!
Sem outras saídas, deixei-A repousando sobre uma flor de Ora Pro Nobis do nosso quintal... Ali mesmo se despediu.
Uma lágrima desobstruiu minha visão conduzindo-me a um terreno, de aproximadamente 360m2, totalmente devastado. Sobre a galharia seca da fúnebre paisagem abelhas, borboletas, louva-deuses, cabas, beija-flores, mangauas, morcegos, besouros agonizavam sufocados pela violenta fumaça... Cenário angustiante!
Encerrava-se ali, de forma trágica, um ciclo de vidas, fonte de sustentabilidade, sem perspectivas de renascimento. Morte mesmo!
Os colos de apoio, de defesa; os territórios de sobrevivência desses produtores da vida são destruídos criminosamente sem quaisquer sentimentos e/ou intervenções da comunidade e de órgãos administrativos: não há alertas, programas socioeducativos sobre garantia de vida saudável; menos ainda referências sobre o valor das “insignificâncias” - os sustentáculos da natureza selvagem e humana.
A trágica passagem da Abelhinha abriu diálogo com um apicultor da Comunidade Perpétuo Socorro do Paraná/Parintins de Baixo, Senhor Altamiro Carvalho Farias, o Tapioca, assim conhecido. Há mais de 50 anos, a família se empenha em cuidar das vidas daquela Comunidade (espaço de várzea: “A gente cultiva abelha durante um tempão. Vinte anos, por aí. Temos aproximadamente sessenta colmeias. Nós não sabe tudo, mas tem uma prática de criação”.
Tapioca sensibilizou-se com o “pedido de socorro” da Jupará e compartilhou um pouco da realidade das vidas da Amazônia em situação de devastação e extinção: “No Paraná, não tá diferente. Tudo muito seco. Devido a quentura, as abelhas não conseguem puxar o líquido das flores pra produzirem o mel. Como tem pouca florada, a água das flores é insuficiente para produção. As colmeias ficam fracas, pobres de mel. A florada está prejudicada. É muita fumaça! Muita quentura! Abelhas e outros polinizadores morrendo. Nem sei se conseguirão voltar a produzir. Situação difícil!”
Solidário, o Apicultor compartilhou um fato preocupante e comprometedor à saúde: “Com a falta da florada, os mesmos que queimam a floresta estão alimentando as abelhas com calda de açúcar para terem mel com fartura. Isso não é mel legítimo. É um purgante que tão vendendo, enganado as pessoas. Não podemos cair nessa. Somos criadores legítimos de abelhas. Protegemos a natureza pra não faltar flores e água pras abelhas nos darem mel de boa qualidade. Repito: esse mel de calda de açúcar é falso, prejudica a saúde de quem consome. Isso é muito sério. Tem que ter fiscalização”.
Sobre os prejuízos das queimadas e da seca na vida das abelhas e na produção de mel, Tapioca tece comentários importantes: “Das nossas 50 colmeias, cheguei a tirar até 60 litros de mel. Foi nossa maior produção. Agora, a gente tá tirando de 40 a 45 litros. A produção deste ano foi mais baixa ainda. As queimadas mataram muitas abelhas. A seca tá grande e os Taxizeiros não conseguiram florir. Eles só jogam florada quando a água entra nos pés deles, as raízes. Aí a produção é boa. Esperamos que a segunda florada dê alguma coisa. Pra isso, tem que chover bem. Mas, a companheirada precisa acordar e ajudar salvar o que resta”.
É o que está posto!... Mãe Terra reage a cada agressão. Insiste em chamar a atenção de que somos Seus hóspedes, não donos. E todas as vidas indistintamente são UNAS apesar de diversas: ferir a uma, fere a todos e a todas.
Por fim, Papa Francisco, na poética Carta Encíclica “Laudato, Si”, abre picadas à consciência universal: “Tudo está relacionado: o sol, e a lua, o cedro e a florzinha, a águia e o pardal:[...] significa que nenhuma criatura se basta a si mesma. Elas só existem da dependência umas das outras, para se completarem mutuamente no serviço uma das outras”.
Maria de Fátima Guedes Araújo. Caboca das terras baixas da Amazônia. Educadora popular, pesquisadora de saberes popular/tradicionais da Amazônia com Especialização em Estudos Latinoamericanos pela Escola Nacional Florestan Fernandes/UFJF. Fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras, Ensaio de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.
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