Jornalismo ou propaganda política? Pesquisa analisa a ética jornalística em Parintins

Na reportagem especial desta semana do JORNALISMO PARINTINS, são ouvidos a autora da pesquisa, o presidente do SJPAM, a presidente da FENAJ e mais

30/08/2023 às 12h20 Atualizada em 30/08/2023 às 12h57
Por: Vinícius Bellchior
Compartilhe:
Imagem: Reprodução/Internet
Imagem: Reprodução/Internet

No coração do planeta, a Amazônia, o jornalismo também enfrenta dificuldades para ser exercido de forma plena. A necessidade em manter-se financeiramente faz com que jornalistas acabem se aliando a grandes grupos políticos e econômicos, resultando numa perda da liberdade jornalística e, em consequência, em descumprimento do código de ética da categoria.

Em Parintins, segundo município mais populoso do Amazonas, a ética jornalística na cobertura política por duas rádios no foi alvo de estudo na Universidade Federal do Amazonas - Campus Parintins, em 2022. A pesquisa analisou os comportamentos de quatro jornalistas dos principais jornais das referidas rádios sob à luz do Código Deontológico (no caso dos jornalistas, refere-se ao Código de Ética do Jornalista).

O estudo foi realizado pela jornalista Raaby Cativo, como Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, da UFAM Parintins. O trabalho teve orientação da professora Dra. Hellen Cristina Picanço Simas.

De acordo com Raaby Cativo, a pesquisa foi de campo e teve como instrumento de coleta de dados a entrevista estruturada, que consiste na elaboração de um roteiro para a sua realização. Foram entrevistados quatro jornalistas, e devido ao termo de confidencialidade assinado durante a pesquisa, eles serão identificados como A, B, C e D nesta matéria. As rádios serão identificadas como “1” e “2” – A e B são da rádio “1”, e C e D são colaboradores do jornal da rádio “2”, ambos os jornais são apresentados ao meio-dia, de segunda a sexta-feira.

A influência política no jornalismo parintinense

Uma das perguntas da pesquisa foi como o jornalista avalia os erros e acertos da imprensa na cobertura da política no município de Parintins/AM. O jornalista B responde que “o político não gosta que a empresa divulgue as coisas que no entendimento dele é negativo”, por exemplo: um escândalo, uma corrupção, indício de fraude, indício do roubo do dinheiro público. “Ele só gosta que se publique coisas boas e as coisas boas geralmente saem em forma de publicidade e não matéria jornalística, até porque é produzida”, revela.

Segundo Raaby Cativo, o jornalista, ao participar de grupos políticos, “prestando serviços” mediado pelos meios de comunicação, acaba dificultando o exercício da democracia por levar notícias favorecendo partido X ou Y. A gama de “benefícios” que a citadas notícias impossibilitam a população de conhecer outras realidades, uma vez que a cidade é pequena e as duas rádios citadas na pesquisa, buscam atender às necessidades de alguns membros da política local, como a de manter a população sempre informada de suas ações políticas por meio dos contratos de publicidade, o que acaba inibindo qualquer tipo de crítica em relação a esses membros.

Ao responder à pergunta se a emissora possui algum contrato de fidelidade com algum membro da política local ou até mesmo com a prefeitura, o jornalista C responde: “A gente tem um contrato com a Prefeitura, acho que a maioria dos programas ali são pagos pela prefeitura. O Jornal que eu trabalho é da prefeitura, o programa de rádio, de esporte é da prefeitura, existe um programa que é antes do programa do “G” que é da prefeitura. Ou seja, raramente haverá críticas às pessoas envolvidas (prefeito, vice-prefeito, dentre outros)”, afirma.

"O que move Parintins é política, o que sustenta as rádios em Parintins é Prefeitura, Câmara. Porque, se for depender do comércio, ela não funciona. Então, tem que haver esse bico”, diz o jornalista D.

A investigação afirma que a Constituição Federal resguarda o livre exercício da imprensa para evitar que pressões políticas como estas possam afetar o conteúdo a ser transmitido. Para a pesquisadora, os grupos políticos não podem decidir e nem intimidar os veículos de comunicação. “Os jornalistas que têm seus direitos ‘negados’ no próprio ambiente de trabalho tornam-se reféns e não exercem de maneira incorruptível a profissão”, explica Raaby.

“Na verdade, o que se espera dos meios de comunicação de modo geral é que a população seja informada com seriedade. Esse é o nosso compromisso, e claro que quando uma determinada emissora insiste em dizer que a política está bem na cidade, e na verdade não está, os ouvintes ficam saturados em ouvir notícias releases que só falam bem do prefeito e dos vereadores, ou de qualquer um que seja”, afirma o jornalista B.

Para o jornalista, professor e atualmente Coordenador Acadêmico da Universidade Federal do Amazonas – Campus Parintins, Carlos Barros Monteiro, é fundamental que os profissionais estejam atentos às normativas e orientações dos órgãos públicos federais de fiscalização, até mesmo para prestar informações de qualidade aos ouvintes, pois o rádio é o principal meio de informação aqui na região.

O Código de Ética dos Jornalistas

Segundo Wilson Reis, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas (SJPAM), o atual Código de Ética dos Jornalistas brasileiros, em sua última versão, foi atualizado em 2007, buscando acompanhar as mudanças operadas no jornalismo decorrentes da inserção de novas tecnologias na produção e fenômeno na internet, registrado em meados da década de 90.

Wilson Reis diz que é possível afirmar que o Código de Ética representa uma ferramenta importante para conduta a ser seguida pelo jornalista no exercício da profissão, fortalecendo o jornalismo ético, de qualidade e interesse público e, inclusive, os valores democráticos em nossa sociedade contemporânea.

“Aplicar a ética na profissão não é tarefa fácil, mas pode ser construída com o alcance da excelência na formação profissional pelas instituições de ensino superior e a atuação das entidades representativas da categoria no país”, comenta o presidente.

Conforme aponta o artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, é dever do jornalista divulgar fatos e informações que sejam de interesse público, combater e denunciar qualquer forma de corrupção, especialmente quando essa for exercida com o objetivo de controlar a informação e defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito.

Ainda segundo o Código de Ética, é dever do jornalista combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza. O jornalista deve defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias. O jornalismo feito com seriedade aborda todos os temas, não faz distinção quanto a raças, gêneros, temas, classes sociais, grupos políticos etc. É essencial ter equidade frente às diferentes temáticas, mesmo sabendo da existência dos censuradores.

Critérios de seleção das matérias a serem divulgadas nas rádios

Sobre o critério de seleção das matérias, o jornalista B destaca. “Nosso critério é mostrar notícias que envolvem política, mas que irão beneficiar o coletivo, além de prioridades, como a visita do governador, ações realizadas pela prefeitura em benefício da população, jornada de cirurgias, enfim, além de agendas políticas de deputados, e em alguns casos de vereadores”, relata.

O jornalista C respondeu que os critérios para a seleção das matérias de cunho político devem envolver o poder legislativo, executivo e judiciário. Porém, todas essas matérias, antes de serem veiculadas, são revisadas pelo coordenador da emissora, isso ocorre porque este é assessor de comunicação do atual prefeito, para tanto, é inviável produzir algo que possa afetar a integridade deste político.

O Art. 7º, parágrafo VI, do Código de Ética do Jornalista preconiza que “o jornalista não pode realizar cobertura jornalística para o meio de comunicação em que trabalha sobre organizações públicas, privadas ou não-governamentais, da qual seja assessor, empregado, prestador de serviço ou proprietário, nem utilizar o referido veículo para defender os interesses dessas instituições ou de autoridades a elas relacionadas. A ética jornalística, diante do fato narrado, é descumprida.

Samira de Castro, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), destaca ao JORNALISMO PARINTINS, que, no Brasil, sempre há desafios na atuação do jornalista, porque o jornalismo é uma atividade exercida majoritariamente por empresas privadas, que possuem interesses políticos e econômicos, mas apesar disso, o jornalista sempre deve primar por atender todos os requisitos éticos que o dever da profissão determina.

“Infelizmente, a ligação dos meios de comunicação com grupos políticos dominantes, sobretudo regionalmente, acaba impedindo o direito da população de ser informada, porque esses grupos promovem a obstrução direta ou indireta da livre divulgação da informação, causando a aplicação de censura ou mesmo induzindo a auto censura, e a gente precisa alertar que esses são delitos contra a sociedade”, argumenta a presidente da Fenaj.

Jornalismo ou assessoria de imprensa?

Sobre as dificuldades em exercer a profissão com imparcialidade, o jornalista D responde: “Eu prefiro ao máximo que eu consiga ser imparcial, mas como? Porque a cidade é política, a rádio política, tudo é política. Então tem que escolher um lado a ou b. Então, tu não podes ficar em cima do muro, ou tu és, ou tu não és”, enfatiza.

A pesquisa evidencia que a imparcialidade é uma das dificuldades enfrentadas pelos 4 participantes do estudo porque é necessário constantemente a aprovação das matérias mediante a outros “olhares” (administradores, supervisores, redatores, etc). Por isso, ser ético, conhecer o código deontológico e segui-lo é essencial porque as matérias e informações veiculadas podem refletir diretamente no convívio social: telespectador/comunicador/sociedade.

O resultado da pesquisa aponta também que há submissão de um dos jornalistas à política municipal parintinense, isso ficou claro na fala de um dos entrevistados quando ele afirma: “Eu prefiro ao máximo que eu consigo ser imparcial, mas como? Porque a cidade é política, a rádio política, tudo é política. Então tem que escolher um lado a ou b. Então, tu não podes ficar em cima do muro, ou tu és, ou tu não és”, todavia, não significa que todos os jornalistas, prestadores de serviços das rádios “1” e “2” sejam submissos aos contratantes. Raaby afirma que, diante disso, é necessário realizar pesquisas mais aprofundadas acerca deste tema, pois o percurso é vasto e vale a pena compreender a forte influência política sobre os meios de comunicação mesmo a ditadura sendo extinta.

Descobriu-se também que algumas informações não podem ser divulgadas antes da apreciação do administrador (cláusulas dos contratos e os documentos na íntegra) por denotarem caráter confidencial, pois trazem elementos que não podem ser de conhecimento público por estarem vinculadas aos contratantes. Averiguou-se que o poder econômico pode influenciar na seleção dos assuntos a serem publicados e divulgados pelas diversas formas da mídia. Os grupos políticos e proprietários das redes de comunicação possuem o poder de direcionar e determinar o que vai ser noticiado. O poder de manipulação exercido por estes grupos, mesmo que de forma sutil, tem influenciado na veiculação e investigação de notícias.

Wilson Reis diz que as pressões do poder econômico ou político sempre irão existir, pois o sistema que se baseia na exploração do trabalho e do lucro seguirá sendo estimulado. “O Código significa o contraponto com referências técnicas e humanísticas que dispõem os profissionais para reflexão da realidade de produção diária e o questionamento de que o jornalismo não pode e nem deve seguir apenas a visão comercial do mercado em uma sociedade de classes e interesses contrários entre capital e trabalho”, explica.

O presidente do SJPAM afirma ainda que os grupos políticos dominantes devem realizar seus atos de forma clara e transparente, dando o conhecimento de seus atos à população, o que gera credibilidade. “Por sua vez, os profissionais nos veículos de comunicação (jornais, portais, blogs e sites de notícias) devem representar a voz e o interesse do povo, realizando cobranças das promessas feitas no período das campanhas eleitorais”, enfatiza.

Reis entende que, com tal conduta, o jornalismo e jornalistas estarão contribuindo para melhorar a chamada "classe política", elegendo a cada certame eleitoral, políticos e partidos que representem na gestão dos Governos e, nas Casas Legislativas, os interesses dos eleitores que os colocaram no poder.

Resultados da pesquisa

Como conclusão, a pesquisa identificou que os jornalistas têm dificuldades para cumprir na íntegra o Código de Ética da profissão devido aos contratos específicos que cada rádio possui, além de constatar a parcialidade na cobertura jornalística frente à política parintinense, descumprimento do Código Deontológico e dificuldade para trabalhar como profissional do jornalismo em Parintins. Ainda segundo a pesquisa, foi possível constatar, em alguns casos, a falta de responsabilidade social e os impasses éticos prejudicam o andamento de uma cobertura jornalística.

A pesquisa também traz como resultado o evidente desrespeito diário com o ouvinte, a conduta ética do jornal da rádio “1” e o jornal da rádio “2” na divulgação de reportagens e notícias sobre a política à luz do código deontológico, pois a matérias divulgadas visam mais a favorecer aqueles que possuem contrato com a empresa do que informar a população.

Considerando os critérios para seleção das reportagens sobre a política parintinense no jornal da rádio “1” e no jornal da rádio “2”, foi identificado que eles são realizados de acordo com a necessidade do contratante. O jornalista não tem autonomia para definir quais são as matérias de cunho político a ser veiculada. Entre os critérios utilizados pelas rádios, é levado em consideração a palavra final do editor e até mesmo da direção.

Samira de Castro afirma que o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental do ser humano, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse. “A divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente de sua natureza jurídica, se pública estatal ou privada, e também da linha política de seus proprietários ou diretores”, destaca.

Raaby Cativo destaca que a pesquisa reforça o quanto é difícil ser jornalista em Parintins e, em consequência, em cumprir o Código de Ética e ser imparcial. “A maioria dos jornalistas da cidade não faz um jornalismo propriamente dito, mas sim assessoria de imprensa. A emissora em que eles trabalham é quem determina quais sãos tipos de conteúdos políticos que podem ser divulgados ou não”, explica.

Procuradas pela equipe do JORNALISMO PARINTINS para comentarem sobre o resultado da pesquisa, as direções das rádios “1” e “2” não haviam retornado contato até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto.

Por: Vinícius Bellchior Bruce e Ana Cristina Ferreira Machado – ambos graduados em Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade Federal do Amazonas – Campus Parintins.

Vinícius Bellchior - Equipe JORNALISMO PARINTINS 

Ana Cristina Machado - Equipe JORNALISMO PARINTINS 

 

Siga o JORNALISMO PARINTINS nas redes sociais:

Facebook

Instagram

Twitter

Inscreva-se em nosso canal no YouTube:

JORNALISMO PARINTINS 

Ou entre em contato conosco pelo e-mail: [email protected]

Nosso WhatsApp: 92994334226

Entre em nosso grupo no WhatsApp e receba nossas matérias em primeira mão: https://chat.whatsapp.com/DoFDyO4fKoR4Ovg4U765B9

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
REPORTAGEM ESPECIAL
Sobre o blog/coluna
A sua coluna de reportagens especiais.
Ver notícias
Parintins, AM
26°
Tempo nublado

Mín. 23° Máx. 33°

27° Sensação
1.13km/h Vento
75% Umidade
100% (12.04mm) Chance de chuva
06h31 Nascer do sol
06h47 Pôr do sol
Seg 33° 22°
Ter 36° 22°
Qua 36° 23°
Qui 35° 22°
Sex 31° 22°
Atualizado às 20h06
Publicidade