Depressão e suicídio - Entrevista com o psiquiatra Alessandro Gonzaga

Ao JORNALISMO PARINTINS, o psiquiatra comenta e orienta o tratamento a pessoas em estado de depressão e ideações suicidas

02/08/2023 às 16h04 Atualizada em 21/08/2023 às 19h30
Por: Vinícius Bellchior
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Imagem do CAPS II, em Parintins, que fica localizado ao lado do Hospital Jofre Cohen - Foto: JORNALISMO PARINTINS
Imagem do CAPS II, em Parintins, que fica localizado ao lado do Hospital Jofre Cohen - Foto: JORNALISMO PARINTINS

O psiquiatra Alessandro Gonzaga é especializado em psiquiatria e tem mais de dez anos de experiência na área, tendo trabalhado em São Paulo, Minas Gerais e no CAPS II do município de Tefé, no Amazonas e, também no CAPS II – Parintins (Centro de Atenção Psicossocial Adolfo Lourido), que funciona de segunda a sexta-feira (clique aqui e saiba mais).

Depressão: “É como se a escuridão fosse tão intensa que apagasse o brilho de uma estrela”, relata entrevistado que não quis se identificar. De acordo com a Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas e da Vital Strategies mostrou que os casos diagnosticados de depressão subiram de 9,6%, antes da pandemia, para 13,5% em 2022 no Brasil.

Suicídio: Segundo pesquisa da OMS (Organização Mundial de Saúde), no mundo, são registrados mais de 700 mil casos de suicídios por ano, sem contar os casos subnotificados, No Brasil, são aproximadamente 14 mil casos por ano, o que significa que, em média, 38 pessoas cometem suicídio por dia. No mundo, todos os anos, morrem mais pessoas por suicídio do que por causa de HIV, malária, câncer de mama ou até mesmo por guerras e homicídios.

Dentre esses números, ainda segundo a OMS, cem por cento dos casos estava relacionado às doenças mentais, na maioria não diagnosticadas ou tratadas incorretamente. Ou seja, nessa maioria, se os pacientes tivessem acesso ao tratamento e às informações sobre a própria condição, mortes seriam evitadas. Os números retratam pessoas que precisaram de ajuda e, na maioria das vezes, não foram ouvidas.

Confira a entrevista completa realizada pelo jornalista Vinícius Bellchior com o psiquiatra Alessandro Gonzaga:

Vinícius - Como identificar uma pessoa com sintomas de depressão?

Alessandro Gonzaga - Essa pessoa vai mudar o comportamento dela, eu vou dar alguns sinais aqui. Depressão é uma doença que tem a sua faceta biológica, genética, ambiental e psicológica. Ela é uma síndrome hereditária com mais de cinquenta tipos, mas, em sua base, em sua constituição fundamental, ela vem com uma queda de energia. Então, aquela pessoa que antes era proativa, acordava cedo, ia trabalhar, que fazia academia, fazia aula de inglês à tarde etc; começa a falhar no trabalho, ela não vai mais para a academia, natação...Ela começa a não atender telefone e ter isolamento social. Ela fecha as redes sócias dela ou ela começa a postar que tem vontade de não estar mais ali, de sumir, de fazer uma viagem, de dormir e não acordar mais.

Então essa pessoa começa a comer menos, o apetite dela diminui. Ela começa a andar em casa de madrugada porque ela não tem sono. Os familiares começam a observar que essa pessoa não está mais sentando à mesa para comer e tem dias em que ela come e tem dias que não. Então ela começa a perder peso. E de repente, você a escuta soluçar no quarto, chorando sozinha. Então aí já existem vários fatores: a queda de energia e fadiga. Ela acorda cansada, sem ânimo para ir trabalhar e não sente motivação para encarar aquele dia. Ela tem vontade de ficar ali, mas ela vai se arrastando, nem toma café e vai.

Chegando no trabalho, o rendimento não é aquele que se espera. Tem dias que ela nem vai para o trabalho. Outro fator é a queda do humor, a acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades que ela tinha. Tristeza profunda, viés de atenção voltado para ruína, derrota, pessimismo. Um sentimento de menos valia, um sentimento de insuficiência, de que não é capaz, um sentimento de não pertencimento.

Vinícius - Por que surgem ideações suicidas?

Alessandro Gonzaga - Diante desse quadro sombrio e obscuro que descrevi, a pessoa começa a pensar que não é mais legal ela estar ali nesse contexto, nesse cenário de vida. Na verdade, ela não quer morrer, mas ela quer ficar livre daquela dor lancinante que ela está sentindo. Então, ela começa a pensar em autoextermínio. No início é só pensamento, ela começa a ter pensamentos deliróides de que ela não é importante, que ninguém vai ligar com a falta dela. Então ela mesma se coloca como alguém de peso na vida dos outros. Isso é totalmente um grande equívoco, mas a pessoa depressiva pensa assim. Então, as ideações suicidas vão evoluindo se o quadro não melhora. Se a família não percebe que ela está muito depressiva e não pegar na mão dela para receber ajuda profissional, essa pessoa vai começar a decair. Ela começar a pesquisar meios de tirar a própria vida. A família tem que pegar na mão dela e levá-la para ajuda profissional, porque senão essa evolução da ideia suicida vai do planejamento a tentativa, e essa tentativa pode ser bem-sucedida ou malsucedida.

Vinícius - Qual a melhor forma de oferecer ajuda a alguém com depressão?

Alessandro Gonzaga - Reparar, ouvir e conduzir (ROC). Primeiro, reparar na pessoa, pois ela estará “gritando por socorro”, essa pessoa estará se destacando como alguém sombrio, alguém que era luminoso e passou a ser sombrio, como se o arco-íris ficasse cinza. Você vai observar que tem uma pessoa ali com muita dor. Segundo, você vai chegar na pessoa e vai ouvi-la – esse ouvir é que é a diferença, Vinícius, porque, normalmente, as pessoas não sabem ouvir, principalmente familiares. Quando a pessoa vai contar a sua dor, o familiar normalmente julga, o familiar não valida a dor da pessoa, ele diz que aquilo é coisa da cabeça ou falta do que fazer, é falta de ir para uma academia, falta de ir para igreja rezar, que aquilo não é nada, que é preguiça. O julgamento é uma facada no coração de quem está contando a sua dor. O julgamento por si só ele arrebenta com a pessoa, deixa a pessoa pior do que estava. É como se a dor emocional não fosse importante, sendo que a dor emocional é muito maior do que uma dor física. A alma sangra.

Vinícius - Quais mudanças na sociedade são necessárias para a depressão e suicídio serem visto como problemas de saúde pública?

Alessandro Gonzaga - A dor emocional precisa ser considerada pela sociedade e parar com essas histórias de que é uma falta de uma pia de louça para lavar ou uma enxada para capinar o quintal. Como é que a pessoa vai ouvir? É parando de fazer isso, ouvir e depois falar “eu entendi, posso imaginar que sua dor é dilacerante. Estou vendo que você mudou e estou disposto a ajudar. Mas você sozinho não pode resolver isso, que tal irmos na ajuda profissional? Eu vou com você, vamos na minha moto ou no meu carro, e vou entrar no consultório com você. Me dá seu RG, que vou agendar a consulta.” Então é assim que se deve conduzir, sendo esse o terceiro passo, que é conduzir ao apoio profissional. Não adianta você só dizer que “falar é a melhor escolha”, se as pessoas continuarem com preconceito, dizendo que é falta de Deus ou que o CAPS é lugar de louco. Enquanto tiver esse preconceito com a saúde mental ou com a dor emocional, como se não fosse nada, e enquanto não houver nas escolas educação emocional, não haverá resultados, pois a educação emocional vai falar de ciúmes, medo, tesão, de raiva, de ódio, vingança, tristeza e ensinar o aluno a lidar com esses sentimentos. É preciso falar de saúde mental nas igrejas, nas empresas, nas mídias sociais, no rádio da cidade, em todos os lugares.

Vinícius: O que nós enquanto sociedade podemos fazer para evitar que mais pessoas tirem a própria vida?

Alessandro Gonzaga - A OMS diz que, a cada dez suicídios, nove são evitáveis. O Leonardo Abraão – meu conterrâneo lá de Minas Gerais - que é o criador do Janeiro Branco, ele diz, no livro dele, “Promoção a Saúde”, que cem por cento dos suicídios são evitáveis se começarmos a colocar educação emocional em todos os lugares, como nas escolas. Abrir rodas de conversas nas igrejas evangélicas, por exemplo, na igreja católica, porque, na roda de conversa, eu vou precisar ouvir você e olhar nos seus olhos e perceber a sua dor. A gente precisa incentivar os jovens a falarem e sentirem confiança na gente, porque não vamos julgá-los. Em 17 países dos 193 do globo terrestre aumentou os números dos suicídios, de 2000 a 2019. O Brasil está entre esses países que aumentou. Então, o Setembro Amarelo até o momento não diminuiu os números, porque o buraco é mais em baixo. A campanha tem boas intenções, mas temos que mudar o jeito de abordar e parar de julgar a pessoa com depressão ou com ideação suicida. Enquanto tiver esse preconceito em relação a saúde mental vai ficar difícil combater o suicídio.

Vinícius- Quais os principais fatores que contribuem para o suicídio?

Alessandro Gonzaga - No suicídio, pesam dois fatores, o de proteção e o de risco. O de proteção significa ter uma família equilibrada, ter um emprego, estar estudando, não usar drogas, ter uma crença transcendental, ou na natureza ou em algo superior, se tem amigos, namorado(a) etc. O fator de risco é não ter uma família equilibrada, a pobreza extrema, o bullying, traição amorosa entre outras. Se o fator de proteção prevalecer, ela não se suicida, mas se começar a juntar vários fatores de risco e a balança descer, ela suicida. Uma pessoa nunca se suicida por um motivo apenas, ele é multifacetado, tem que ter pelo menos uns trinta ou cinquenta fatores de risco. Ou seja, vários acidentes emocionais.

Vinícius - Dentre os números de suicídios, o percentual maior está em qual faixa etária?

Alessandro Gonzaga - O maior número de casos de suicídios está na faixa etária de quinze a vinte e nove anos. As redes sociais hoje é um dos fatores que mais contribuem para isso, pois ela é um campo de dois lados, um que faz bem para você e o outro não. É esse lado que te faz se sentir pequeno, porque ali tem uma exigência de alcançar um padrão de beleza, por exemplo, sendo que ali é tudo uma maquiagem. E você vendo que não vai alcançar aquilo ali que está exposto, então você se sente pequeno. Tem também aquele jovem que os pais são imaturos e não conseguem ouvi-lo, eles precisariam de psicoeducação. Dentro de casa, é o pior lugar para esse jovem, porque ele não se sente abraçado, ele fica ali sozinho com a sua dor. É um perigo enorme a pessoa que está pensando em suicídio ficar sozinha. É uma dor de alma, de viver. É um desencaixe de tudo.

Vinícius - Com todos esses anos de experiência na psiquiatria, o que o senhor diria agora para uma pessoa que está depressiva e ansiosa?

Alessandro Gonzaga - A pessoa com ideação suicida tem uma grande dor, uma via láctea de dor dentro dela. É uma dor muito maior que a dor física, ela fica latejando dentro do indivíduo e o induz a querer sair de cena. Então, eu digo para essa pessoa que ela tenha calma e vá até ao Caps se não encontrar ninguém que possa ouvir a sua dor, no Caps eles estão lá para ouvi-la e para validar a sua dor. Lá eles tem uma proposta de dar significado e uma forma para essa dor, para que possam fazer uma metamorfose dessa dor para uma coisa bonita, porque atrás de uma grande dor tem um diamante. Mas para chegarem lá é muito difícil pois são camadas e camadas de pedras de dor. Então tem que ser trabalhada essa dor. Diria para essa pessoa que tem sim um canal de saída, mas, às vezes, não encontramos esse canal nem na nossa própria família, pois ela, na maioria das vezes, é a que mais não entende você, infelizmente, mas nós entendemos. Há pessoas que entendem, há pessoas se esforçando para entender. Precisamos ter olhos empáticos para que nós possamos “garimpar” essas pessoas e pegar não mão delas e levá-las ao Caps. Para conversar e ouvi-la sem julgamentos.

 

Ninguém se suicida sem que haja, em sua mente, grandes doses de desespero, desesperança e sentimentos de incapacidade e nulidades.

Psiquiatra Ana Beatriz Barbosa 

 

Por: Vinícius Bellchior/Graduado em Jornalismo pela UFAM PARINTINS

Colaboração: Hellen Cristina Picanço/Professora no curso de Jornalismo na UFAM PARINTINS 

 

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Francelino FrançaHá 1 ano Parintins-AMEnfim em parintins um site que não é chapa branca. Parabéns!
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