E agora, Parintins?!...

“A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu e a noite esfriou...” E agora, Parintins?!...

16/07/2023 às 11h08 Atualizada em 21/08/2023 às 20h52
Por: Redação
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Entre luxo e lixo a diferença é apenas fonética. Foto: Floriano Lins
Entre luxo e lixo a diferença é apenas fonética. Foto: Floriano Lins

“A Ilha que atrai os olhos do mundo sob extravagâncias e luxúrias ignora totalmente princípios éticos referendados em Jó (14:2), “a glória do homem é breve como a flor dos campos...”; ignora também que entre luxo e lixo a diferença é apenas fonética. Há mais de 50 anos, a comunidade parintinense se espreguiça ressaquiada nos braços frios de promíscuas fantasias e vaidades sob indiferenças institucionais cujos impactos se manifestam em violências generalizadas: agressões ao sossego público, inacessibilidade a áreas periféricas afetadas por lixo, lama, buraqueira, múltiplos fedores, além de outros descasos com a qualidade de vida. 

Passa o boi, a boiada... tudo e todos/as silenciam: representatividades políticas ditas de oposição, instituições de direitos sociais e até propagadores/as de anúncios cristãos. Quem de dever, de/do direito não se arrisca colocar o boi na balança sob riscos de autocomprometimentos. A dinâmica da incoerência - elo entre o dizer e o fazer-, ignora injustiças, desigualdades, omissões e escancaradas corrupções. 

E agora, Parintins?!...

Sem qualquer sombra de dúvida, “na fazenda, a boiada está gorda...”. A saída emergencial para desviar as atenções é a festa da Padroeira - Nossa Senhora do Carmo, onde a procissão de falidos e desvalidos busca saídas sob perspectivas de que fantasias ritualísticas resolvam a depressão da massa submetida a circos e a rotineiras palhaçadas...  E, assim, via estratégias manipulatórias, mais um ano, grupos dominantes da Ilha do Folclore apropriam-se do manto da Virgem do Carmo para esconder uma realidade contraditória à efetivação da Justiça Social anunciada nas Escrituras Cristãs. 

E agora, Parintins?!...

Do exposto, é impossível negar pecados cometidos institucionalmente aos direitos básicos da comunidade, de modo especial, à saúde, à educação, ao saneamento básico, a um lazer digno, a trabalho e renda, aos cuidados à Mãe Terra... É a voz das evidências. São agravos cotidianos sob aceitação passiva de órgãos fiscalizadores e da própria população em estado de embriaguez - massa de manobras político religiosas. Clamores por Justiça Social são abafados nos bastidores da politicagem e mesmo entre pregadores cristãos indiferentes à altivez do Nazareno quando denunciou fariseus hipócritas, vendilhões do templo e deixou claro a Caifás sobre a impossibilidade de diálogos harmoniosos entre opressores e oprimidos. 

E agora, Parintins?!... 

No rebojo da romaria de desvalidos tonteiam as cunhantãs ainda com resíduos de fantasias espalhadas pelo corpo. No silenciar dos tambores, da foguetaria abusiva e com o sumiço da menstruação, trocam olê, lê, lê, olá, lá, lá por ai, ai, ai, ai, ai, ai... São manazinhas suplicando à Virgem do Carmo pelo milagre do “arriamento”. Precisam desenrascar-se urgentemente! Serão mais vidas sem perspectivas... Enquanto isso, “ficam tristes e, no rastro da tristeza, chegam à crueldade”. A questão dialoga com Harry F. Truman na obra Mad Maria, do Escritor Márcio Souza, “ [...] he is our son of a bitch”. É a regra!

E agora, Parintins?!...

A realidade em questão apela ao sistema de ensino: importante instrumento do organismo social na construção e desenvolvimento de seres éticos, autônomos e libertários. Por esse olhar, compete às escolas problematizar com a comunidade escolar e com as futuras gerações a dinâmica do festival de Parintins: cultura popular ou cultura de massa?  No entanto, o atual modelo de ensino, na visão do Educador Paulo Freire, apenas in-cuca e en-forma. Não educa! Não liberta! É mais um refém de grupos e sistemas dominantes. 

A viagem até aqui traz o fervor poético do primeiro Bispo de Parintins, D. Arcângelo Cérqua, quando vislumbrara Parintins reluzindo “sob as bênçãos da Virgem do Carmo...”. Hoje, certamente, D. Arcângelo rogaria por intervenção, por ativismo social.

No mais, sintonizo as dores da Virgem do Carmo por não poder contestar o volume de abusos à qualidade de vida da comunidade cometidos em Seu Nome... 

E agora?!... Chico da Silva profetiza: “Após missa na matriz, o teu povo está feliz! Salve irmãos! Salve, irmãs!”.

Por: Fátima Guedes 

 

Maria de Fátima Guedes Araújo. Caboca das terras baixas da Amazônia. Educadora Popular, pesquisadora de saberes popular/tradicionais da Amazônia. Fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras, Ensaios de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.

 

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